sexta-feira, 10 de julho de 2009

Quarto e Cozinha

Ela olhava a tudo como se nada estivesse acontecendo, certamente por toda a bebida e as veias entupidas de morfina da noite anterior. Nem sequer sabia que havia amanhecido, na verdade não se importava, desejava que anoitecesse, gostava de ser chamada de vadia por bocas sujas e estapeada por mãos grosseiras, faria tudo gratuitamente, era um impulso. O lugar estava revirado, seu olho esquerdo já esverdeado por algum soco qualquer em mais um beco perdido, atrapalhava ainda mais a visão da beleza que um dia tivera. Olhar senil, mãos calejadas, dentes amarelados, com um leve cuidado talvez ficasse mais a sombra do que foi um dia, porém, não havia esforço da sua parte para que fosse assim. A aparência realmente não lhe interessava, e aquilo que todos dizem de:"O que está dentro é o que importa" parecia, enfim, ser o caso. Olhou fracamente ao redor e não conseguiu enxergar nada, tudo estava um breu, o pensamento era apenas se teria ainda algum dinheiro para voltar a sua catatonia antes que o domingo chegasse e tivesse de desfarçar as suas marcar com maquiagem, talvez com a franja, para voltar ao trabalho. Os dias passavam e lhe parecia que a luz, o sol, ou qualquer tipo de brilho faziam-na explodir dolorosamente os neurônios, se é que ainda os tinha. Levantou rastejando, a cozinha era mais um amontoado de pratos, talvez alguma anomalia animal nascesse dali, ainda se admirava como não haviam baratas, ela as odiava, e mesmo com tanta sujeira espalhada, até mesmo este asqueroso animal desviava seu caminho, negando sua passagem por aquele lugar. Tudo parecia tão ruim, que mesmo sem forças, fez gestos de pegar um prato para lavá-lo, começou, pensando em outras coisas... Já era noite quando havia terminado. E pensara como perdera tempo, contudo, pensava mais ainda nas baratas que poderiam vir, sentia-se satisfeita. Estava meio amedrontada, não se lembrara de um único fim de semana que saira com os colegas de trabalho, não se lembrara sequer de um único fim de semana. O primeiro estava longe demais para vir a memória, os últimos, borrados demais para serem limpos. Ela queria se recordar de seu derradeiro orgasmo, mas nem mesmo sabia se havia existido algum. Era o fim do poço, exatamente onde queria chegar, maquiar-se novamente, até aquele esverdeado olho sumir, e evitar outros como aquele, seria uma meta, um objetivo, e quem disse que haveria algum outro após aquele?! Que tal fazer um teste?! Quanto tempo conseguiria ficar sóbria ou limpa?! Não, ela não era viciada, ela gostaria de ser, mas não era, se fosse, alguém se compadeceria de sua alma, talvez a ajudassem, mas não... e parava de pensar naquilo, nunca nenhum pensamento ficava na sua cabeça por mais de 5 minutos. Despejava-se mais uma vez na cama, deveria trabalhar no dia seguinte, a tortura dos pratos já havia passado, a faxineira trataria de limpar tudo mais ao chegar, pelo menos, ela acreditava que esta viriam, afinal marcara para a próxima segunda, ou seria a passada?! Esperava honestamente que fosse na que estava por vir. Os carros maldiziam seu sono lá fora, enfim, ela não se importava, não fazia mais diferença. Nada há de atrapalhar seu sono.

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