quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Os Gritos de J.

O Texto abaixo foi cedido por J. que antes produzia um Blog muito completo sobre suas experiências de suicídio, contudo por conta do estado terapêutico dela, foi aconselhada pelo novo psiquiatra a desfazer-se dele.


"Eu me encontrei várias vezes num estágio de tristeza profunda, desde os 13 anos de idade, minha mãe e meu padrasto a quem devo muito já percebiam meus défictis de aprendizagem, minha insônia, e ficavam assustados com meus gritos dolorosos (eu sentia fortes dores no peito, e nenhuma delas conseguia explicação médica). Mas como eu havia passado por um início de adolescência conturbardo e, então, com 15 anos andava em círculos meio (muito) alternativos, eles acreditavam ser a mais pura rebeldia adolescente. Não era! Uma semana e meia antes de meu aniversário de 16 anos, tive uma crise de nervos, vi tudo a minha volta mudar de forma e não consegui controlar meus movimentos, desmaiei no colo do meu irmão mais velho, que tentava me segurar a todo custo, minha mãe entrou em pânico e achou que eu estava tendo um ataque eplético. Não era! Fui ao médico uma centena de vezes, uma tia avó do meu padrasto disse que eu deveria estar possuída, e me lavou sem dó (após a difícil concessão do meu padrasto, então cético) em uma centena de cultos critsãos, achei tanta tolice, e era pior ainda pra mim, detestava ir àqueles lugares e me sentia forçada, o que me deixava sufocada (quase que literalmente) [...] Passados oito meses nada havia melhorado, pelo contrário. Minha mãe preocupada e a recente notícia de que meu irmão iria embora para um intercâmbio de 2 anos no Canadá, me transformou num corpo inóspito até para mim mesma. Mas por que, por que eu estava sentindo isso tudo?! Eu sou tão amada, tenho boas notas, apesar de amigos de má índole, alguns realmente valiam a pena, pais preocupados e um irmão a quem eu amava muito. Nada daquilo me fazia bem! Sozinha no meu quarto olhando pruma série de remédios pra dormir, acalmar meu ânimo agitado e tantos outros motivos de medicação, resolvi tomar todos, não por vontade de me matar, mas por vontade de me curar logo, nem foi tão ruim, afinal nem tinha gosto engolir os comprimidos, deveria ter acabado com uma caixa de Cità (citalopran para os desavisados), e como já não conseguia ler muito bem naquele momento, não sabia mais o que estava tomando, sei que pareciam ser 6 ou 7 comprimidos. Nesse momento meu padrasto e irmão chegaram em casa e ao bater no meu quarto disseram terem ouvido uma voz turva sair de lá de dentro, naquele momento, a vontade de me curar passou, era vontade de me matar mesmo, uma vontade enlouquecedora e de uma sedução que me atormentava. Desmaiei, dizem que só conseguiram entrar no meu quarto 10 a 15 minutos depois, o médico alarmou minha mãe: 'Mais um pouco e ela não aguentaria!' Meu irmão disse que minha mãe teve uma crise de choro, me senti culpada por aquilo. Prometi a ela nunca mais fazer novamente, eu sou tola, não comando meus sentimentos, nem meu corpo, nem minha mente, não cumpro minhas promessas, meu psicólogo* disse em um de seus livros que um suicida muitas vezes é reicidente e prometer continuar vivo pelos outros é um caminho errado a seguir. Tentei de novo, mas isso é pano pra outra manga de história. Não é pra ninguém achar bonito, não é pra achar feio. É só pra fazer pensar, não sei o por que de minha completa infelicidade, na minha família não há ninguém com o mínimo de histórico depressivo, ou bipolaridade. Sou uma anormal, de repente gosto de ser, ou seja simples, de repente eu só queira mesmo morrer, quem sabe pra acabar com a dor, por pressa de me curar, ou só curiosidade mesmo de me sentir sem mim. Tô procurando não pensar nos motivos."

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*Ela tinha psicólogo aos 18 anos que a aconselhou a escrever num dário, ou se quisesse gritar pra todo mundo, falasse num blog.

J. teve mais 3 tentativas de suicídio, após a penúltima ela se salvou, mas sua mãe não, morreu de ataque cardíaco. Hoje ela é tratada com um psiquiatra mas agora que mora com o irmão (que passou apenas 1 ano no intercâmbio e voltou pra ficar com ela) resolveu retomar o psicólogo, não sabe quando, mas diz que tomará essa decisão. O padrasto sempre a visita e a incentiva a tratamento com psiquiatra e psicólogo. Ela acha que não chegará aos 30. É cartunista, nunca cursou uma faculdade e vive de auxílios do governo, ajuda do irmão e padrasto.
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"Eu sou muito amada, mas não sei bem como começar a me amar. Sabe, talvez eu nem queira mesmo!"
(J. 2007)

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Quarto e Cozinha

Ela olhava a tudo como se nada estivesse acontecendo, certamente por toda a bebida e as veias entupidas de morfina da noite anterior. Nem sequer sabia que havia amanhecido, na verdade não se importava, desejava que anoitecesse, gostava de ser chamada de vadia por bocas sujas e estapeada por mãos grosseiras, faria tudo gratuitamente, era um impulso. O lugar estava revirado, seu olho esquerdo já esverdeado por algum soco qualquer em mais um beco perdido, atrapalhava ainda mais a visão da beleza que um dia tivera. Olhar senil, mãos calejadas, dentes amarelados, com um leve cuidado talvez ficasse mais a sombra do que foi um dia, porém, não havia esforço da sua parte para que fosse assim. A aparência realmente não lhe interessava, e aquilo que todos dizem de:"O que está dentro é o que importa" parecia, enfim, ser o caso. Olhou fracamente ao redor e não conseguiu enxergar nada, tudo estava um breu, o pensamento era apenas se teria ainda algum dinheiro para voltar a sua catatonia antes que o domingo chegasse e tivesse de desfarçar as suas marcar com maquiagem, talvez com a franja, para voltar ao trabalho. Os dias passavam e lhe parecia que a luz, o sol, ou qualquer tipo de brilho faziam-na explodir dolorosamente os neurônios, se é que ainda os tinha. Levantou rastejando, a cozinha era mais um amontoado de pratos, talvez alguma anomalia animal nascesse dali, ainda se admirava como não haviam baratas, ela as odiava, e mesmo com tanta sujeira espalhada, até mesmo este asqueroso animal desviava seu caminho, negando sua passagem por aquele lugar. Tudo parecia tão ruim, que mesmo sem forças, fez gestos de pegar um prato para lavá-lo, começou, pensando em outras coisas... Já era noite quando havia terminado. E pensara como perdera tempo, contudo, pensava mais ainda nas baratas que poderiam vir, sentia-se satisfeita. Estava meio amedrontada, não se lembrara de um único fim de semana que saira com os colegas de trabalho, não se lembrara sequer de um único fim de semana. O primeiro estava longe demais para vir a memória, os últimos, borrados demais para serem limpos. Ela queria se recordar de seu derradeiro orgasmo, mas nem mesmo sabia se havia existido algum. Era o fim do poço, exatamente onde queria chegar, maquiar-se novamente, até aquele esverdeado olho sumir, e evitar outros como aquele, seria uma meta, um objetivo, e quem disse que haveria algum outro após aquele?! Que tal fazer um teste?! Quanto tempo conseguiria ficar sóbria ou limpa?! Não, ela não era viciada, ela gostaria de ser, mas não era, se fosse, alguém se compadeceria de sua alma, talvez a ajudassem, mas não... e parava de pensar naquilo, nunca nenhum pensamento ficava na sua cabeça por mais de 5 minutos. Despejava-se mais uma vez na cama, deveria trabalhar no dia seguinte, a tortura dos pratos já havia passado, a faxineira trataria de limpar tudo mais ao chegar, pelo menos, ela acreditava que esta viriam, afinal marcara para a próxima segunda, ou seria a passada?! Esperava honestamente que fosse na que estava por vir. Os carros maldiziam seu sono lá fora, enfim, ela não se importava, não fazia mais diferença. Nada há de atrapalhar seu sono.